Há bom tempo, a ligação entre Arte e Natureza constitui parte importante dos processos da criação artística e nos instrumenta sobre os modos como esses campos de conhecimento operam um tipo de sintonia que bem pode ser entendido a partir da ideia de espelhamento. Tal qual o jogo de imagens e luzes emitidas por espelhos entrecruzados, a pluralidade de elementos de que dispõem Arte e Natureza para se fazerem vistas e portanto reconhecidas; presentes e portanto necessárias em alguma medida; sobreviventes, uma vez que devem divergir_ apenas na dose exata_ de seu tempo presente, nos faz compreender a vascularidade dessa relação tão duradoura quanto instigante.

Assim também, na amplitude dos reflexos entre Arte e Natureza, segundo testemunhei nos últimos anos, é que se constitui e amadurece o trabalho artístico de Patricia Rebello. Sua trajetória segue da afeição pela vida próxima às corredeiras do rio que nomeia a cidade de Piracicaba (SP) em que ela vive_ rio que exerce uma presença importante para a ordenação de sua paisagem cotidiana_ até a fase atual na qual a artista coleta referências visuais de espécimes animais ou botânicas para combiná-las ao desenho, colagem, modelagem, além outros processos nos quais explora sistematicamente formas mutantes que habitam outros corpos. Desse modo, suas coleções de mutação de elementos da natureza nos advertem sobre como a contemporaneidade é constituída.

As séries produzidas por ela guardam em comum um traço precioso, tecnicamente impecável, plástica e compositivamente experimentadoras, a juntar suas pesquisas feitas em fontes visuais da internet ou de publicações antigas armazenadas em seu ateliê como se ali se procedesse uma pesquisa científica. Em parte significativa dessas séries como em “Quimeras” ou “Desdobramentos”encontramos a rapidez de transformação dos elementos orgânicos representados graficamente e interpelados poeticamente por ela no embate com as urgências da vida urbana dos grandes centros. São composições meticulosas, cujo refinamento se estabelece por camadas justapostas de informação. Com o passar do tempo este crescente banco de informações visuais passa a fundamentar a possibilidade de uma imaginária morfológica apropriada pelo trabalho da artista e nos indica tanto a sua fonte de retroalimentação quanto de análise autocrítica e longevidade.

No trabalho de Patrícia a materialidade da qual se constitui o objeto artístico vincula-se à Natureza por meio desta estruturação em camadas: não são as plantas ou os insetos e os animais a serem eles próprios, os apresentados, mas sim seu sentido iconográfico, como um representante de espécime classificada e categorizada, imagem catalogada que se dá a conhecer por meio do registro desdobrado. Estabelece assim, tal como nos indica Paul Virilio (1999), outro tempo de aparência e de verdade, situação que se torna possível por meio do espelhamento.

Nesta relação combinada entre índice e coisa a artista explora meticulosamente a composição plástica e por meio da pesquisa desses tipos catalogados acaba por encontrar-se com um aspecto mais artivista que reclama os elementos de ação nociva sobre o meio e a paisagem natural. A série que mais bem aponta para esse interesse é “Resiliência” a partir da qual, Patrícia busca discutir as idéias de resistência e superação próprias dos sistemas vivos.

Contudo, a atenção para a descritividade própria da notação científica acaba por firmar sua acuidade artística uma vez que sua estratégia compositiva e criativa mais persistente promove zonas de grande embaçamento entre o que se imagina como forma final e o que se apresenta como parte compositiva geradora daquela forma. Este jogo intrigado de formas compositivas assemelhadas está em todo o processo, mas pode ser bem representado pela série “Insectum” e seus insetos-joias que recombinam borboletas, besouros e outros insetos a partes de plantas, pequenas joias, além de objetos cotidianos.

A Natureza, em sua complexa estruturação cria sistemas para adaptar-se, tal qual estabelece a Arte em suas revisões ao longo do tempo. Por essa via é que se torna possível proceder a leitura desta combinação de universos coligados nos quais, a distinção ou os limites tendem ao borrão e às contigüidades próprias da força do movimento que as gera.

Claramente embasado por tais universos, o trabalho de Patricia Rebello deposita-se em terreno profícuo e estabelece-se em ritmo de desdobramentos plásticos, de florescimento poético de outras fisiologias possíveis, além de atentar para a rejuvenescência estética que pode garantir a operação toda dentro do sistema artístico. Dedicada ao estudo e manuseio experimentador das formas e dos significados dos índices veiculados pelas Ciências Naturais na visualidade contemporânea, Patrícia é ela também criadora que burila outras lógicas e ecologias para os elementos que lhe interessam cultivar como artista.

Sylvia Furegatti

Julho. 2018